Afonso Cruz, um dos escritores mais profícuos em Portugal, dedicou algum tempo a redescobrir o Centro de Portugal.
Afonso Cruz é escritor e artista multidisciplinar, nascido em 1971, na Figueira da Foz. Tem mais de trinta livros publicados entre romances, novelas, teatro, poesia, álbuns ilustrados, foto-texto, ensaio e não-ficção. Recebeu vários prémios pelos seus livros, cujos direitos estão vendidos para mais de vinte línguas.
Os flamingos jovens são brancos ou acinzentados, os mais velhos preferem vestir-se de rosa.
Quando soube que eu era escritor confessou-me imediatamente que tinha veia poética e que um dia haveria de escrever um livro sobre a Nazaré. Até já tenho título, disse ela: Os pobres ricos e os ricos pobres. Elogiei o título e o trocadilho e ela, sempre palavrosa, sentenciou: Cada um nasce para o que é.
Deu-me a provar alguns dos peixes secos que vendia e eu comprei-lhe três ou quatro, dos mais pequenos. Como é que é possível, confessou ela, uma peixeira gostar de jazz, gostar de ópera? Há aqui qualquer coisa que não está bem.
Está tudo bem, assegurei.
O meu pai morreu mais de oitenta vezes.
Como assim?
Quando era criança, aprendi a dizer em francês, aos turistas, dê-me dinheiro que o meu pai morreu no mar. O meu pai estava sempre a morrer no mar. Morria muito.
A Francelina pegou num bocado de peixe e disse: Olhe esta barriga de safio: cozida, não sabe o que perde, rejuvenescia cinco anos. Faça como o António Variações, coma hoje que pode cá não estar amanhã.